Se dois anos serão uma eternidade nos tempos que correm e saltam em comprimento, o que dizer da quantidade de milénios onde nos refletimos permanentemente uns nos outros em busca de um sentimento de pertença ou do seu oposto?

E se ninguém pinta do zero, como se a tela fosse o mundo - todo ele pré-definido - mas em formato plasticina à espera de cada pincel que o enfeite (ou deforme, consoante o espelho), o que motiva um artista a pintar literalmente “zero” nos tais dois anos que serão uma eternidade?

Tudo questões para se perguntar ao espelho.

E se é verdade que o material de que realmente são feitos (de gentes e não de vidros) é bastante diferente em Lisboa, é igualmente verdade que foi no Bonfim que um artista se aventurou numa vida de artista com tudo a que esta tem direito, à excepção da arte. E da boemia, ansiedade e inquietude que nenhum espelho consegue esconder lá nasceram memórias, sussurros e percepções mais vivas que o próprio autor, de reflexos mais nítidos do que o próprio rosto e onde a luta por manter uma visão íntegra do mundo - do “ser” - é a obra de arte primordial de um artista que não faz arte.

“Valeu a pena?” - ter-lhe-á questionado o espelho.

Bom… ao menos voltou a pintar.