Exposição // A Longa Sombra
Exposição // A Longa Sombra

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2021

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A Longa Sombra 

Curadoria de Horácio Frutuoso

Abertura: 30.04 (SEX) — a partir das 15h  

Patente até: 30.05

[Entrada Livre]

 

artistas: 

Dayana Lucas

Eduardo Fonseca e Silva & Francisca Valador

Fernão Cruz

Henrique Pavão

Horácio Frutuoso

Lea Managil

Luís Lázaro Matos

Sara Mealha

[Entrada Livre]


Há dois anos a Saco Azul Associação Cultural desafiou-me a pensar uma exposição para ser mostrada na sala de exposições dos Maus Hábitos. Aceitei com a vontade de poder fazer uma exposição colectiva onde pudesse reunir um conjunto de artistas e obras que me foram iluminando de diferentes formas, que me ficaram na retina, regressando por várias vezes à memória.


Depois de um ano de intenso trabalho em atelier, passando por transformações na vida quotidiana que levaram a redefinir planos, hábitos e relações, adiando ou transformando projectos, surgiu a oportunidade de poder levar avante este convite e poder concretizá-lo.


Em arrumações, cruzei-me com uma pergunta escrita na contra capa de um livro “como pode a vida ter lugar, ou persistir, num estado de crise permanente?” que me deixou a pensar durante alguns minutos perante a nossa situação actual. O livro tem como título “Melancolia e Arquitectura em Aldo Rossi”, é uma adaptação da tese de doutoramento do arquitecto Diogo Seixas Lopes, onde este faz uma reflexão sobre o sentimento de perda e a arquitectura, ou o espaço social, percorrendo as variações históricas do conceito de melancolia, como um peculiar estado de consciência motivado pelo universo do arquitecto Aldo Rossi, focando-se no projecto de construção do cemitério de San Catalo em Modena.


Automaticamente reli o livro, e o elogio à melancolia como um dispositivo de percepção aguda do mundo, os seus mistérios e a perplexidade da vida, deixaram-me bastante sensibilizado para que pudesse ser o elemento agregador de uma exposição.


As obras que selecionei compõem um grupo que remete para um espaço de introspecção, escape de um quotidiano repetitivo, para sobreviver à brutalidade do nosso tempo, onde o consumo e a produção de imagens é instantânea e massiva. São obras que de alguma forma levam para um diálogo connosco, são pontos de conexão ou de proposta com o nosso interior, onde a relação com a palavra dita e não dita está presente de formas diversas, como o acto de ler, escrever e dizer fossem a chave para esse dito estado de consciência. 


“Precisamente porque a personalidade melancólica é assombrada pela morte , são os melancólicos que melhor sabem como ler o mundo. Ou, melhor, é o mundo que se rende ao escrutínio dos melancólicos como a mais ninguém.” Susan Sontag, Under the Sign of Saturn


A palavra melancolia vem do grego melas (preto) e khole (bílis), que podemos filiar essa proveniência aos fundamentos da medicina estabelecidos por Hipócrates cerca de 400 a.c., precursor de uma descrição sistemática de partes do corpo e das suas doenças. A bílis negra, um dos quatro humores corporais cujo equilíbrio eram responsáveis pela saúde, era a origem da melancolia que segundo Hipócrates causava desequilíbrios mentais, medo ou desânimo. Acreditava-se na possibilidade de derramamento da bílis negra pelos olhos, levando à cegueira, o que deu origem a um simbolismo primordial do melancólico como ser sombrio e abatido. Mas a complexidade do termo é ambígua, pois a melancolia não era vista meramente como algo negativo no mundo antigo, na verdade o melancólico poderia ser visto como alguém excepcional. Aristóteles promoveu a melancolia, ligando-a a graus superiores da actividade humana, a uma categoria intelectual e heróica: “porque razão todos aqueles que se tornaram eminentes na filosofia ou na política, na poesia ou nas artes são claramente melancólicos(…)?”. Enquanto a bílis negra trazia sofrimento à maioria das pessoas, havia figuras de excepção associadas a actividades intelectuais e à proeminência social, cuja concentração do humor aumentava as suas faculdades em vez de declinarem. 


Mas o conceito foi transformado e alterado ao longo dos tempos, pois os fragmentos dos filósofos foram sendo apropriados e continuamente reinventados por sucessivas gerações, desde estado de conexão entre o terreno com o divino, ao julgamento moral durante o crescimento do cristianismo, descrevendo-a como perda de fé. No mundo medieval considerava-se o indivíduo melancólico um arquétipo, alguém que carregava o fardo de um comportamento taciturno. Consequentemente, e com o avanço da ciência, muitas destas ideias - por vezes contraditórias - reivindicavam a astrologia para justificar a influência de estrelas e planetas na forma como estes afectavam as pessoas e os assuntos terrenos.


Com o advento do renascimento essa visão foi mudando até ao modernismo, onde novas visões sobre o lugar do ser humano no universo surgiram, a melancolia passa a ser reconhecida como uma disposição para uma transformação, equiparada à inteligência e à criatividade, como uma experiência de enriquecimento da alma. Mas as transformações socioeconómicas provocadas pelas mudanças de regimes, o crescimento das cidades e a transformação do trabalho pela revolução industrial aumentaram o sentimento de inadaptação e de perda a essas transformações e contradições, levando o indivíduo a questionar o seu lugar e papel na sociedade, tal como Baudelaire testemunha n’As flores do mal.


São inúmeros os exemplos na arte onde a melancolia surge como mote, Vasari descreve-o ao relatar a vida de artistas, tal como Miguel Ângelo o descreve em cartas, ou o podemos ver nos memento mori, nos “Los Caprichos” de Goya, nas obras de autores românticos do norte da Europa, nas pinturas dos impressionistas, e em destaque no surrealismo ou expressionismo abstracto. Os estudos de Freud e o impacto das duas guerras mundiais trouxeram muitas outras noções a este conceito, e que por consequência, influenciaram a produção artística contemporânea alterando os seus modos de operar.


Destaco dois exemplos mencionados por Diogo Seixas Lopes no livro: Melancolia I de Albrecht Dürer - que faz parte de uma série de gravuras que ilustram os temperamentos do ser humano - onde sintetiza o labor da vida intelectual, como alguém que se agarra a um problema que não pode ser resolvido; E as pinturas de Chirico, nomeadamente as suas pinturas metafísicas, onde espaços misteriosos paradoxalmente vazios com a presença de elementos perturbadamente incompletos ou em acção sem sentido, cobertos com grandes áreas em sombra que tanto revelam como ocultam, sugerem um ambiente de silêncio, sentimento de solidão, sem tempo histórico, como um sonho em construção, onde ao mesmo tempo há um lugar de liberdade e revelação.


Imagem: Sermon © Horácio Frutuoso

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